sábado, 31 de dezembro de 2011

Receita de Ano Novo






Receita de Ano Novo

(Carlos Drummond de Andrade)

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

(Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997)

domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal


"De nada adianta o Cristo nascer mil vezes em Belém se ele não nasce no coração do homem também." 
(Aun Weor)


Feliz Natal para todos! ;)



quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Com tentáculos

Fico imaginando até onde elas vão, até onde vão as palavras. Imagino-as com tentáculos invisíveis abraçando e envolvendo quem as ler, ou melhor: quem se permite ler, ler de verdade. Gosto de palavras envolventes, palavras que ficam!
Tentáculo é assim, é uma palavra que permanece. Mas permanece em movimento. Tanta coisa ruim, tanta coisa boa que chega e prende a gente, sufoca, angustia, e nos deixa nos os olhos saltados; olhos esbugalhados de desespero. Ah, enfim, deixa pra lá, por ora, deixa pra lá essa história toda de olhos saltados e coração apertado.
Quero mais é ser envolvida pelos tentáculos gigantes de cada palavra, deixar que eles se infiltrem em cada suspiro, cada olhar. Até que eu compreenda que não existe um até. Nas palavras o que existe é um além. Sem essa de aqui começa um e ali termina outro vocábulo. Deixemos que os tentáculos envolventes nos abracem e entenderemos (sem traduções ou reformas gramaticais!) porque as palavras são contínuas e íntegras mutantes.
Só preciso entender muito mais sobre esse imenso além literário.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Da vontade de escrever

Queria escrever o mundo. Parece que descobrimos tudo já, exceto como escrever o mundo em uma palavra.
Mudo para continuar sendo a mesma e queria saber escrever com palavras mutantes para que elas, então, fossem para sempre.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Das vontades de hoje à noite,



Das vontades de hoje à noite,

Tenho duas provas amanhã e não sinto lá muita vontade de estudar não. 
Hoje, desejo coisas tão maiores. 
Vontade de caminhar mais e mais perto de coisas e de pessoas verdadeiras, desfrutar de amizades sem fraudes. Vontade de fugir dos palpites, dos achismos. Vontade de compreender que muitas das verdades não são nada mais do que meros palpites. Vontade de aprender a escutar mais, escutar com os olhos, com o abraço. Tudo. 
Senhor, ajuda-me a conversar mansamente, sem objeções, ouvindo e dizendo honestamente todas as coisas feias e bonitas que desejo dizer. 
Conversar com os olhos nunca será perda de tempo. Sim, os olhos que muitas vezes tenho abaixado ou desviado - os olhos que sensíveis e um pouco desiludidos não deixam de espreitar e (re) descobrir novos caminhos. 
Permita-me afirmar que até um beijo, até um beijo é melhor quando já foi antes dado com os olhos, é possível beijar milhões de vezes com os olhos antes de se chegar à boca.
Das vontades de hoje à noite fica uma certeza: vontade de viver mais e de opinar menos.

sábado, 26 de novembro de 2011

Dos erros

ao som de Decode - Paramore.

Muito assustada e num segundo, um só segundo, a mulher entendeu que errara. Teve uma revelação clara da magnitude dos próprios enganos (manipulados e alimentados por si mesma) e questionou-se como tinha, Céus, como tinha podido sustentar com tanta ferocidade aquelas idéias?
Como podia ter agido ao contrário daquilo que pedia a Deus todas as noites?

Do chá amargo e dos olhos vermelhos.


- Não entendo muita coisa, ele disse tomando mais um gole do chá amargo.
- Não precisa entender, disse eu arrancando as palavras do fundo de sei lá o que. Queria chutar tudo, sabe, ou abrir minha cabeça, abrir um buraco para que as idéias e as palavras fugissem como pequenas névoas. 
- Teus olhos estão vermelhos, e mexeu com veemência o chá já frio.
- Gosto dessa xícara velha. 
- Não muda de assunto.
- Ela é velha, já manchada de café desde sempre...
- Mas teus olhos estão vermelhos.
- Sinal de que estou viva, ao menos.
Ele sorriu e eu quis abraçar cada pequena expressão daquele rosto cansado. Acho que quem não conhece não pode condenar, simplesmente condenar é horrível — é preciso compreender cada pequena expressão de cada pequeno rosto cansado por aí.
- Desculpa por ser tão relapsa, desabafei como se estivesse falando comigo mesma.
- Tudo bem. Há mais foco em ti do que tu pensas.
- Não sei, não. Ando achando que não levo jeito para as coisas, sabe? Não falo de vocação. Falo além. Tanta pressão.
- Por isso teus olhos estão vermelhos?
-  Ando pensando sobre espinhos de rosas. Talvez possa escrever sobre espinhos de rosas.
- É mesmo? E segurou minha mão.
- Acho que seria um bom texto. Um só pequeno espinho de rosa. Virei a mão dele e comecei a desenhar pequenas linhas imaginárias ao redor dos seus dedos. Nada grande demais, continuei falando, apenas um pequeno espinho de uma flor que tu não consegues arrancar da palma da tua mão. E dói fininho. Tu pegas uma agulha e usas a ponta pois sabes que se não conseguir se livrar do minúsculo espinho vai se transformar numa chaga e não será mais uma dor pequena.
- Dá pra escrever sobre chagas começando com um pequeno espinho?
- Dá. E senti o vento frio da noite batendo em meu rosto. Abaixei a cabeça. Dá sim, um dia escreverei.
- Quer mais chá? Senti urgência em sua pergunta, soltei a mão dele como se tivesse muita energia demais para suportar aquele contato.
- Tanto faz.
- Tanto faz?
- Sim, minha cabeça dói e eu vou gritar muito. Tu vais te afastar de mim por causa do meu grito?
- Ela acordaria a vizinhança inteira?
- Legião Urbana, sempre genial. Não consegui deixar de sorrir.
- Tem muita coisa genial por aí.
- É verdade. Me abraça? Falei mais do que pedindo, implorando.
- Eu?
- Sim, um abraço teu. Vou ficando acuada, longe: não quero ficar assim, não me deixa ficar assim.
- Não vou deixar! Mas me conta: porque teus olhos estão vermelhos?
- Por causa dessa morte constante de tudo.
- Sossega, pequena, há bastante vida. Até na morte.
- Eu sei. Mas e o frio?
- O frio do lado de fora da nossa roupa ou o frio dentro do nosso coração?
- Me pegaste nessa.
Rimos.
- Já é meia-noite. Faça um pedido.
- Não tenho um só, ele disse abruptamente.
- Não importa. Pensa num maior, naquilo  que tu mais queres além de doces, doces e doces, boa música, um "café forte e um novo amor."

- Quero que teus olhos deixem de estar vermelhos todas as noites.

Texto dedicado a Caio F. Abreu me entenderia e me ajudou a apreciar singelos diálogos.

domingo, 30 de outubro de 2011

Na escola sem personagens (...)

ao som de 'Un niño en la calle, Mercedes Sosa e Calle 13'


Na escola sem nome e sem personagens,

Ele copia os números. Ávido, atento a cada curva que a professora esboça na pequena lousa. Os cães mulambentos circulam e latem no povoado, farejam em busca de alimento. Mas os meninos permanecem em silêncio - silêncio além do não falar -  e o som das chinelas da maestra arrastam-se para além daquele mundo afora. 'Ocho'. Ou 'oito' lá pra banda dos brasileiros como já ouviu a sua abuelita dizer. Aperta o toco de lápis com força a cada movimento que faz com a pequena mão endurecida. Não vê significado algum, não entende tantos números mas gosta de copiar. E com capricho o menino imita o que o sol da campanha reflete no quadro-negro. A curva do oito será a curva do mundo, um dia.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sons ao redor

Receio que não possa explicar mas tenho pensando que devanear não converge necessariamente ao 
sonho. Sabe, sem devaneios que monstruosa dificuldade teríamos em alcançar a realidade (...)
Assim, tantas vezes falo baixo, deixo os sons ao redor falarem juntos - é o carro que passa na rua, a chaleira com a água para o mate, o vento castigando as janelas e Fito tocando ao fundo. Não são todos esses sons, pois, parte do devanear mas também pedaços da minha fala nessa tarde?

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Um novo mate


Perdoe-me pelo chão sujo da cozinha, perdoe-me pelos resquícios de erva mate na mesa. O lixo deve ser varrido, sim, depois. E um novo mate deve ser feito. Ponho a água na chaleira e sento-me aguardando, como se aguardar a água para o mate ficar no ponto fosse uma das grandes maravilhas da vida. E, de fato, considero ser.
Enquanto não ouvir o leve chiar da chaleira, estarei aqui sentada sentindo e ouvindo a vida.  A vida é um sonho, talvez. É o despertar que nos mata, já dizia a minha diva Virginia Woolf.
            Por um instante, deixo de pensar na prova de histologia e nos dígitos que necessito para  estar na média. Esqueço da apresentação do seminário de biofísica; as linhagens resistentes de células sobre as quais falaremos - sob a supervisão de uma das próprias autoras do artigo em questão - são, ainda que tão próximo, algo distante. O mini-teste de bioquímica no final da tarde é algo leve, nesse momento. Sossega, pequena desesperada, sossega.
                O que está próximo de mim é o sol que entra tímido pela janela e anuncia a proximidade de Outubro. Setembro chegou com poder de iluminar o inverno rigoroso e invadiu nossos dias rio-grandinos com o prenúncio da primavera. Carregada mais de provas do que de flores, ainda será uma primavera.
                Meus olhos pesam e é um pesar agradecido. Tudo tem estado tão bom e um bom batalhado, um bom que emana de tantos privilégios que tenho dito nos últimos tempos.
                A noite foi longa e em muitos momentos soube que estava pagando por ser relapsa, confusa e, você sabe, por praticar a velha arte da procrastinação. Mas olhava ao lado e ali estavam elas. Futuras colegas de profissão, tão diferentes mas cúmplices nessa paixão pela medicina - almas queridas com as quais cruzei nessa nova vida.
                Chego a dar uma risada inesperada. Como consigo ser tão boba? E nem sei por qual motivo esse pensamento brota em minha mente. Talvez por insistir em divagar sobre uma noite de estudos qualquer. Talvez pelo excesso de cafeína,  who knows?
                Mas aí é que reside a beleza inefável: nenhuma noite de estudos é uma noite de estudos qualquer. Partilhar belos momentos de estudo com colegas que há seis meses não conhecia jamais será um momento qualquer. Não permitirei que nenhuma prova ou trabalho ofusque a minha mania de ver poesia em tudo.
                Ao longe, o chiar da chaleira interrompe meus pensamentos. Pulo da cadeira e começo a preparar o novo chimarrão. Voltarei às células epiteliais do intestino grosso.


Texto dedicado a Laís Nascimento e Pauline Simas.

Rio Grande, 22 de setembro de 2011.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Mirar o nada.


Mirando de cantin, vez em quando olho através da janela mas não olho, quieta. Pergunto, imagino, o que é que estou olhando. Meus pequenos olhos castanhos ficam úmidos, creio, e temo que sejam quase que um espelho. Espio, espreitando e procurando por saídas dentro do que não vejo e da imagem que nunca tem foco. É tão gostoso encarar o nada.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sistema Tripartido

Um pouco do que gente aprende depois de passar pelo ensino fundamental e médio...


O princípio de dividir, de desintegrar para compreender, rege o nosso modo de ensino e de aprendizagem. Felizmente em alguns casos, infelizmente em muitos. Somos inseridos nesse sistema desde muito cedo, desde o ensino fundamental; habituamo-nos a tal dinâmica a partir da tradicional divisão de disciplinas. E, quando não somos devidamente orientados, o processo de aprendizagem limita-se ao desconexo e não aprendemos a unir, relacionar.
            A clara relação existente entre a compreensão gramatical, o estudo da estrutura linguística, a leitura de uma obra e a capacidade de - juntando todos esses fatores - escrevermos um texto não é tão evidente assim para muitos e muitos estudantes brasileiros. As disciplinas de português, literatura e redação são apresentadas ao aluno como três grandes áreas distintas. Relacionar essas, então, com história ou geografia é tido como sem sentido. 
Essa situação, lamentavelmente, cria estereótipos para as disciplinas e distorce o ensino da língua como um todo. Português tem sido reduzido a meras normas gramaticais e Literatura, para tantos, não passa da lista de leituras obrigatórias para o vestibular. Isso sem mencionarmos Redação que, ao invés de ser encarada como um recurso de expressão e valorização da individualidade, é tida como o carrasco da vida estudantil.
Ora, não necessitamos de formação em pedagogia para percebermos que uma real interdisciplinaridade pode ser estabelecida através da leitura e da análise de textos em sala de aula - recurso viável para todos, porém raramente utilizado. Triste constatação é quando ouvimos um estudante afirmar que adora as aulas de Português, entretanto não suporta as aulas de Literatura. 
Das tantas maneiras de abordarmos a problemática do ensino da língua portuguesa no país, refletirmos sobre a forma sedimentada sob a qual é trabalhada é, talvez, uma boa maneira de iniciarmos um debate. Não há como combatermos preconceitos linguísticos ou incentivarmos a leitura quando nossos estudantes não veem sentido e conexão entre as disciplinas propostas. Ou pior: não veem sentido e conexão entre esse sistema tripartido e o que vivem cotidianamente.

Cachoeirinha, 26 de julho de 2011.


Dedicado à minha tutora, Michele Zgiet, que lê em sala de aula.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Trouxeste a chave?


Não adianta: saber ler é mais do que apenas ler. Trata-se de rendição, de sentir. Trata-se de chegar perto, de reconhecer a força das palavras e, simultaneamente, admitir a terrível fraqueza que nelas há. Aí reside o nascimento do verdadeiro leitor - aquele que não vê, simples e tolamente, apenas perfeição e beleza na escrita. Aí reside o nascimento do leitor que entende a língua como uma ferramenta, a mais pragmática das ferramentas.

Não há, de fato, criação isenta de objetivos, fins, metas. Não há arte desvinculada ou desengajada. Torna-se, assim, inconcebível que um assunto ligado ao homem não carregue uma semente de preconceito, de hierarquia de valores. Eis a premissa fundamental ao bom entendedor! Assim encontra alimento e torna-se forte o leitor que não vive preso na estética, no superficial de um texto. Vamos, Narciso, mergulhe de vez nessas águas! 
Pensar que o uso da palavra e o interesse do escritor é um elo incorruptível restringe e limita, por vezes, a nossa visão enquanto leitores. Mas ora, nem sempre a limitação é algo ruim - não é ela, inclusive, decorrente de um processo natural das artes em geral? Complexo. Surge, então, algo belo e almejado por tantos de nós: a universalização das palavras. O escritor deseja expandir o seu texto, esticá-lo com cordas invisíveis - tornar, em última instância, imensurável o valor que suas palavras carregam. Contudo, a tentativa de atravessar o abismo existente entre o específico e o geral é um mote nem sempre exitoso. Conquanto poderosas, nossas palavras podem falhar. E a complexibilidade humana talvez não permita, em alguns momentos, verbalizações, representações, traduções.
O deslumbramento que muitos temos em relação às palavras é justificável pois, sim, o universo literário traz ao nosso imaginário tantas novas interpretações e possibilidades de interpretações. Resistir ou render-se às novas possibilidades é opcional. O que não nos é, entretanto, tão opcional assim é a responsabilidade adquirida quando, em verdade, nos tornamos leitores. Sê atenta às entrelinhas, pequena criança. 
Ah, as entrelinhas... "Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas." diz, num misto de provocação e aceitação, Clarice Lispector. Mas, musa, e os tantos e tantos questionamentos que me inquietam? Para os questionamentos que, por fim e ao cabo, sempre permanecem e se renovam não há, possivelmente, conclusão alguma. Haverá, em algum canto, conclusão alguma? Talvez - como em "À procura da poesia" de Drummond - são as palavras que constantemente, com suas mil faces sob a face neutra, nos perguntam (sem interesse pela resposta pobre que daremos) "Trouxeste a chave?".

Cachoeirinha, madrugada de 18 de julho de 2011. 


sábado, 25 de junho de 2011

Ante litem

Uma ânsia permanente de estender os braços e tatear, tatear alucinadamente ao encontro daquilo que nem o nome ela sabe. Será sempre assim? A busca sedenta por um porto anônimo, a busca escorregadia e encantadora. Momentos iluminados interrompidos por passagens obscuras. Tudo será um sonho lúcido? Ela compreende, às vezes, que está, até o fim, fadada a essa curiosidade sofrida.
Antes da lida, antes do dever, palavras presas sobem, inesperadamente, à superfície. Movida por uma força singela, ou um motivo qualquer, a vontade de criar é maior. Todas essas possibilidades expandindo-se e o esforço para canalizá-las na ponta dos seus dedos. Eis o desejo de romper o silêncio e traduzir em palavras esses sopros de inspiração que surgem numa tarde fria de sábado. 

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pequena leitura variada da minha admiração por Fernando Pessoa.

Em admiração e agradecimento, nessa noite, meus 'eus' curvam-se a ti: tens sido refúgio para minha desajeitada inspiração. 
Devaneios, alumbramentos, frustrações - tenho caminhado desde montes até vales sob tua  companhia. 
Para cruzar além do Bojador, tens me dito "finge tão completamente" que é dor a dor que deveras sentes. Mas, mestre, não aprendi a ser poeta! Muito pelo contrário, tenho ido "até ao campo com grandes propósitos" mas lá apenas vejo ervas e árvores. E, todavia, não me abandonaste.
Admito. Da euforia à melancolia profunda, tenho pensado que não há metafísica maior no mundo senão chocolates. Logo, volto-me, resignada, e desejo ser toda em cada coisa, colocando tudo o que sou no mínimo que faço. 
Agradeço pois és um dos meus mais fiéis companheiros de cabeceira. 
Agradeço por compreenderes que escolhi um caminho entre tantos que também me atraem, afinal "O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso."
Agradeço pois, embora eu seja a menina perdida de sempre, ainda dizes: "Sê o que pensas."
E, exausta, contesto: - Mas, mestre, penso em tanta coisa!

Minha homenagem a Fernando Pessoa e seus heterônimos.


sábado, 30 de abril de 2011

Lis, flor de lis. Lispector. Flor de lis no peito.



Noite de sábado, pausa nos estudos para a prova de anatomia e lembrei de um vômito literário que tive numa tarde chuvosa de 2010.
É um texto rápido, intenso - um desabafo feito no cursinho, durante uma aula de literatura sobre geração de 45.
Destina-se a Clarice, a minha eterna musa...




O que é uma epifania? O que é um fluxo de consciência? Nessa sala fria, nessa tarde cinza, nesse ambiente hermético, pergunto-me aonde andas.
Conceitos. Tópicos. Fórmulas. Literatura feminina. Literatura burguesa. Não! Qualquer vã tentativa de organizar, classificar a tua sensibilidade já é falha em essência. Que espécie de apropriação é essa que julgam ter sobre o que pensas, sobre o que és?
Lis, flor de lis. Lispector. Flor de lis no peito. Não estás aqui e só posso te sentir dentro de mim. Da vez primeira que te li, da vez primeira que te senti, julguei que jamais compreenderia a tua caleidoscópica força. Mas aprendi, tenho aprendido, que não necessito pensar ou compreender tua plenitude. Tu é que me compreendes, serena desesperada. Fecho os olhos - a voz do professor ao longe. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento. Minha alma-irmã, ajuda-me a me render, assim como tu alcançaste essa aceitação plena.
Uma aprendizagem. Ou o livro dos prazeres. Tua obra é um olhar, tua obra é o mundo. Não queres simplistas relações, não queres que encontrem tua biografia em tua obra. Não queres limitações.
A dor que sinto faz com que eu aperte ainda mais o lápis contra o papel. Não me abandones, jamais. Tuas palavras me apunhalam e me consolam. Tua literatura é a minha companheira há tempos.
Clara, Clarice, tua genialidade jamais será compreendida por todos. Vives, és um coração batendo no mundo. Agora, quem és? Bem, isso já é demais.
Felicidade clandestina: sorrio e lembro da eterna menina que sou. Perplexa, olhando para um livro, amando as letras sem jamais encontrar plenitude.
Serenamente, aceito que não estás nessa sala. Estás em mim e por dentro e por fora de tudo o que consigo sentir.


Porto Alegre, tarde do dia 26 de outubro de 2010.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Pequena leitura da visão de uma caloura.

            Vivenciar a diversidade é um privilégio, e um privilégio grande. Eis um dos tantos sentimentos que tem regido as minhas primeiras semanas na FURG. E sinto-me feliz ao saber, por meio de comentários diários, que os demais colegas da ATM 2016 compartilham tal percepção.
            Somos um grupo atípico. Reunimos as mais variadas origens, sotaques, estilos, preferências. Entretanto, um sonho chamado medicina nos uniu e no sul do sul do país cá estamos. 
            Toda travessia é marcante e o ingresso na universidade não é, pois, diferente. Perspectivas e anseios já naturais somaram-se ao fato de estarmos fazendo parte da primeira turma da FAMED selecionada única e exclusivamente através do Enem. Como seria a convivência de uma turma tão heterogênea? Felizmente, a nova conjuntura tem se mostrado encantadora e os nossos medos são, gradativamente, atenuados. As dificuldades iniciais existem e persistem, contudo afirmo que a riqueza que experimentamos desde já recompensa muito. 
            Nada é construído sem trabalho e nenhuma relação saudável pode ser forjada. Nessa perspectiva, admiramos demais o esforço e a preocupação que os nossos veteranos tiveram e continuam tendo conosco. A ATM 2015 apresentou-nos a ações já tradicionais dentro da FAMED, como a doação de materiais (feito que atingiu o seu ápice com a criação do ‘cd do kit bixo’ contendo resumos e materiais de apoio para os calouros) e a organização da confecção dos nossos jalecos. Atos que, para mim, soaram como palavras silenciosas de boas-vindas. 
            Mas a doação de materiais, a ajuda em questões burocráticas e outras ações promovidas são feitos visíveis. E o que quase não se pode descrever? Tenho muito que agradecer pela acolhida respeitosa e pelo apoio emocional que recebi dos colegas de turma, dos veteranos e, inclusive, de integrantes de outros anos. O projeto “Recrutas da Alegria” fez-nos mergulhar em uma oportunidade imensurável afinal, como já mencionava Charlie Chaplin, um dia sem um sorriso é um dia perdido. 
            Na FAMED, encontramos uma recepção que, talvez, não encontraríamos em nenhum outro canto do Brasil. Ouvir um ‘quando precisar de algo, podes me chamar’ compensa muito a distância e a saudade da família – que, em muitos casos, está a mais de 2000 km. A partir de tão boa impressão acerca da FURG e da Faculdade de Medicina, também expresso aqui a minha frustração acerca de boatos que dizem a respeito de um suposto ‘trote’ praticado por veteranos e calouros. Tal ação não foi praticada por nenhum integrante da FAMED, visto que o objetivo foi respeitar as normas vigentes da instituição de ensino. 
            Não deixemos que o encantamento inicial nos cegue e iniba as nossas ações - a ATM 2016 deve estar ciente dos desafios e da responsabilidade no engajamento por mudanças no que cerne aos problemas e aos empecilhos que encontraremos nos mais variados âmbitos.
Dessa maneira, desejo aos colegas de sala de aula força nesse início de jornada. Os primeiros passos na medicina são, afinal, apenas os primeiros passos. 
Por fim e ao cabo, um sincero agradecimento a todos da FAMED que, de alguma maneira, ajudaram a mim e aos meus colegas – sejamos do sul, norte, nordeste, centro-oeste, sudeste do Brasil – a nos sentirmos em casa. 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O início: lembrete e desafio.

Deixar que me leiam é um desafio. Um desafio que exige, frustra e recompensa. 
A idéia de ter um leitor pode ser exaustiva e estar exausta requer coragem... Por outro lado, os tantos cadernos antigos com rabiscos e desajeitadas tentativas literárias clamam por liberdade - e talvez, quem sabe, agora ganhem novos olhos leitores que não os meus.
Aos poucos - meio que como a mãe cautelosa que experimenta a água antes de confiar o seu bebê à banheira - fui publicando pequenas notas no facebook, lançando reflexões, por vezes tão tolas, no twitter e lapidando a idéia de ter um blog.

Cada elemento deste blog foi e será pensado. O nome 'Epifanias Wilwarianas' carrega muito de mim. Epifanias é  - além de uma referência ao maravilhoso 'Pequenas Epifanias' de Caio Fernando Abreu, o lembrete de um objetivo pessoal: viver, a cada novo aprendizado, dentro ou fora da Medicina, epifanias cotidianas.
Já 'Wilwarianas' vem de Wilwarin - palavra que significa 'borboleta' em quenya (língua élfica criada pelo mestre J.R.R Tolkien). E por que borboleta? 
Bom, borboleta é o significado do meu nome. Vanessa é um nome cunhado por Jonathan Swift (autor de 'As viagens de Gulliver') a partir do início do sobrenome de sua amante Esther 'Van'homrigh. O nome Vanessa foi citado por Swift pela primeira vez em 1726 no poema Cadenus e Vanessa e o autor atribuiu a ele o significado de 'borboleta'.
Para mim, 'borboleta' é um nome que soa lindo em diversos idiomas, em especial o espanhol 'Mariposa' que a palavra em si já imita o pousar suave das asas uma butterfly.


Que 'Epifanias Wilwarianas' seja um refúgio para as minhas randômicas e multifacetas visões de iniciante na medicina e de amante incondicional das letras.