domingo, 20 de janeiro de 2013

Todo o resto, é breve.


De dentro da casa antiga, sentada ao lado da imensa janela, ela observava a menina. Deleita-se observando os contornos difusos da menina, o vestido vermelho, os cabelos soltos. A velha sente orgulho ao ver a menina que delicadamente vai de flor em flor, como numa espécie de ritual em câmera lenta. Cheira, toca e sente mas não ousa arrancar nem mesmo a mais pálida das rosas. 
Minha neta, repete, mentalmente e com vigor, minha neta! Os últimos dias tinham sido difíceis, a dor de cabeça dilacerante, a cegueira avançando. Sabia que não tinha muito tempo. O médico dera esperanças mas nada há como a certeza de um corpo cansado que anseia pelo descanso, enfim. 
Naquela tarde, a vida passara novamente como um filme em suas lembranças. A guerra, os tempos de fome, a fazenda, os filhos. Memórias de cada um dos 87 anos vividos naquele vasto interior descampado. O marido que se fora há um ano. Saudade. Ah, como sentia saudades; ele fora seu melhor amigo, mais amigo do que amante. Sorri, balança a cabeça e volta para o presente num baque. 
A neta ainda está no jardim, brincando, distraída. Com a graça de uma vida inteira, a avó contempla a menina. A cena era bela, destilava os fatos todos. Nascer, desenvolver, morrer. Nem morrer parece mau para este corpo exausto, pensa.
Lá de fora, a neta suavemente abana para a sua abuela.
A menina sorri eternamente. Os sorrisos das crianças é que são eternos, pensa. O resto, é breve. Extremamente breve.