segunda-feira, 21 de maio de 2012

Cecília

Hoje renasci nos olhos de Cecília. Seus pezinhos saltitantes mal denunciaram sua repentina presença ao meu lado. Sentou-se, quietinha, mirando, atenta, a cada ínfimo movimento meu. Cecília tem observado mais do que falado, nos últimos dias.
Num assomo de curiosidade, perguntou:
- Tia, cê é médica, pra que ler livro assim tão grande que nem tem nenhuma figura de corpo humano?
Numa frase, Cecília, delicadamente, questionou-me tudo. 
Pousei 'Grande Sertão: Veredas' de Guimarães na mesa ao lado da poltrona, abri meus braços e Cecília já estava em meu colo. Fitei seus olhos negros e brilhantes e, com seus 7 anos, eles tinham força tamanha capaz de ofuscar meu progressivo descontentamento com o mundo. Seus cachinhos tremiam, curiosos e sua cabecinha fazia sinais afirmativos encorajando minha resposta.
Acredito que Cecília sempre soube o porque eu não leio só livros com figuras de corpo humano e de doenças. Mas Cecília quis que eu falasse. E com a voz embargada e o peso de um mundo todo em meus ombros, confirmei:
- A tia quer cuidar das pessoas. Mas antes precisa aprender a vê-las.

escrito em meio a uma crise, e em homenagem à Cecília - que está por vir.