sexta-feira, 29 de julho de 2011

Mirar o nada.


Mirando de cantin, vez em quando olho através da janela mas não olho, quieta. Pergunto, imagino, o que é que estou olhando. Meus pequenos olhos castanhos ficam úmidos, creio, e temo que sejam quase que um espelho. Espio, espreitando e procurando por saídas dentro do que não vejo e da imagem que nunca tem foco. É tão gostoso encarar o nada.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sistema Tripartido

Um pouco do que gente aprende depois de passar pelo ensino fundamental e médio...


O princípio de dividir, de desintegrar para compreender, rege o nosso modo de ensino e de aprendizagem. Felizmente em alguns casos, infelizmente em muitos. Somos inseridos nesse sistema desde muito cedo, desde o ensino fundamental; habituamo-nos a tal dinâmica a partir da tradicional divisão de disciplinas. E, quando não somos devidamente orientados, o processo de aprendizagem limita-se ao desconexo e não aprendemos a unir, relacionar.
            A clara relação existente entre a compreensão gramatical, o estudo da estrutura linguística, a leitura de uma obra e a capacidade de - juntando todos esses fatores - escrevermos um texto não é tão evidente assim para muitos e muitos estudantes brasileiros. As disciplinas de português, literatura e redação são apresentadas ao aluno como três grandes áreas distintas. Relacionar essas, então, com história ou geografia é tido como sem sentido. 
Essa situação, lamentavelmente, cria estereótipos para as disciplinas e distorce o ensino da língua como um todo. Português tem sido reduzido a meras normas gramaticais e Literatura, para tantos, não passa da lista de leituras obrigatórias para o vestibular. Isso sem mencionarmos Redação que, ao invés de ser encarada como um recurso de expressão e valorização da individualidade, é tida como o carrasco da vida estudantil.
Ora, não necessitamos de formação em pedagogia para percebermos que uma real interdisciplinaridade pode ser estabelecida através da leitura e da análise de textos em sala de aula - recurso viável para todos, porém raramente utilizado. Triste constatação é quando ouvimos um estudante afirmar que adora as aulas de Português, entretanto não suporta as aulas de Literatura. 
Das tantas maneiras de abordarmos a problemática do ensino da língua portuguesa no país, refletirmos sobre a forma sedimentada sob a qual é trabalhada é, talvez, uma boa maneira de iniciarmos um debate. Não há como combatermos preconceitos linguísticos ou incentivarmos a leitura quando nossos estudantes não veem sentido e conexão entre as disciplinas propostas. Ou pior: não veem sentido e conexão entre esse sistema tripartido e o que vivem cotidianamente.

Cachoeirinha, 26 de julho de 2011.


Dedicado à minha tutora, Michele Zgiet, que lê em sala de aula.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Trouxeste a chave?


Não adianta: saber ler é mais do que apenas ler. Trata-se de rendição, de sentir. Trata-se de chegar perto, de reconhecer a força das palavras e, simultaneamente, admitir a terrível fraqueza que nelas há. Aí reside o nascimento do verdadeiro leitor - aquele que não vê, simples e tolamente, apenas perfeição e beleza na escrita. Aí reside o nascimento do leitor que entende a língua como uma ferramenta, a mais pragmática das ferramentas.

Não há, de fato, criação isenta de objetivos, fins, metas. Não há arte desvinculada ou desengajada. Torna-se, assim, inconcebível que um assunto ligado ao homem não carregue uma semente de preconceito, de hierarquia de valores. Eis a premissa fundamental ao bom entendedor! Assim encontra alimento e torna-se forte o leitor que não vive preso na estética, no superficial de um texto. Vamos, Narciso, mergulhe de vez nessas águas! 
Pensar que o uso da palavra e o interesse do escritor é um elo incorruptível restringe e limita, por vezes, a nossa visão enquanto leitores. Mas ora, nem sempre a limitação é algo ruim - não é ela, inclusive, decorrente de um processo natural das artes em geral? Complexo. Surge, então, algo belo e almejado por tantos de nós: a universalização das palavras. O escritor deseja expandir o seu texto, esticá-lo com cordas invisíveis - tornar, em última instância, imensurável o valor que suas palavras carregam. Contudo, a tentativa de atravessar o abismo existente entre o específico e o geral é um mote nem sempre exitoso. Conquanto poderosas, nossas palavras podem falhar. E a complexibilidade humana talvez não permita, em alguns momentos, verbalizações, representações, traduções.
O deslumbramento que muitos temos em relação às palavras é justificável pois, sim, o universo literário traz ao nosso imaginário tantas novas interpretações e possibilidades de interpretações. Resistir ou render-se às novas possibilidades é opcional. O que não nos é, entretanto, tão opcional assim é a responsabilidade adquirida quando, em verdade, nos tornamos leitores. Sê atenta às entrelinhas, pequena criança. 
Ah, as entrelinhas... "Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas." diz, num misto de provocação e aceitação, Clarice Lispector. Mas, musa, e os tantos e tantos questionamentos que me inquietam? Para os questionamentos que, por fim e ao cabo, sempre permanecem e se renovam não há, possivelmente, conclusão alguma. Haverá, em algum canto, conclusão alguma? Talvez - como em "À procura da poesia" de Drummond - são as palavras que constantemente, com suas mil faces sob a face neutra, nos perguntam (sem interesse pela resposta pobre que daremos) "Trouxeste a chave?".

Cachoeirinha, madrugada de 18 de julho de 2011.