quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Um novo mate


Perdoe-me pelo chão sujo da cozinha, perdoe-me pelos resquícios de erva mate na mesa. O lixo deve ser varrido, sim, depois. E um novo mate deve ser feito. Ponho a água na chaleira e sento-me aguardando, como se aguardar a água para o mate ficar no ponto fosse uma das grandes maravilhas da vida. E, de fato, considero ser.
Enquanto não ouvir o leve chiar da chaleira, estarei aqui sentada sentindo e ouvindo a vida.  A vida é um sonho, talvez. É o despertar que nos mata, já dizia a minha diva Virginia Woolf.
            Por um instante, deixo de pensar na prova de histologia e nos dígitos que necessito para  estar na média. Esqueço da apresentação do seminário de biofísica; as linhagens resistentes de células sobre as quais falaremos - sob a supervisão de uma das próprias autoras do artigo em questão - são, ainda que tão próximo, algo distante. O mini-teste de bioquímica no final da tarde é algo leve, nesse momento. Sossega, pequena desesperada, sossega.
                O que está próximo de mim é o sol que entra tímido pela janela e anuncia a proximidade de Outubro. Setembro chegou com poder de iluminar o inverno rigoroso e invadiu nossos dias rio-grandinos com o prenúncio da primavera. Carregada mais de provas do que de flores, ainda será uma primavera.
                Meus olhos pesam e é um pesar agradecido. Tudo tem estado tão bom e um bom batalhado, um bom que emana de tantos privilégios que tenho dito nos últimos tempos.
                A noite foi longa e em muitos momentos soube que estava pagando por ser relapsa, confusa e, você sabe, por praticar a velha arte da procrastinação. Mas olhava ao lado e ali estavam elas. Futuras colegas de profissão, tão diferentes mas cúmplices nessa paixão pela medicina - almas queridas com as quais cruzei nessa nova vida.
                Chego a dar uma risada inesperada. Como consigo ser tão boba? E nem sei por qual motivo esse pensamento brota em minha mente. Talvez por insistir em divagar sobre uma noite de estudos qualquer. Talvez pelo excesso de cafeína,  who knows?
                Mas aí é que reside a beleza inefável: nenhuma noite de estudos é uma noite de estudos qualquer. Partilhar belos momentos de estudo com colegas que há seis meses não conhecia jamais será um momento qualquer. Não permitirei que nenhuma prova ou trabalho ofusque a minha mania de ver poesia em tudo.
                Ao longe, o chiar da chaleira interrompe meus pensamentos. Pulo da cadeira e começo a preparar o novo chimarrão. Voltarei às células epiteliais do intestino grosso.


Texto dedicado a Laís Nascimento e Pauline Simas.

Rio Grande, 22 de setembro de 2011.