segunda-feira, 18 de julho de 2011

Trouxeste a chave?


Não adianta: saber ler é mais do que apenas ler. Trata-se de rendição, de sentir. Trata-se de chegar perto, de reconhecer a força das palavras e, simultaneamente, admitir a terrível fraqueza que nelas há. Aí reside o nascimento do verdadeiro leitor - aquele que não vê, simples e tolamente, apenas perfeição e beleza na escrita. Aí reside o nascimento do leitor que entende a língua como uma ferramenta, a mais pragmática das ferramentas.

Não há, de fato, criação isenta de objetivos, fins, metas. Não há arte desvinculada ou desengajada. Torna-se, assim, inconcebível que um assunto ligado ao homem não carregue uma semente de preconceito, de hierarquia de valores. Eis a premissa fundamental ao bom entendedor! Assim encontra alimento e torna-se forte o leitor que não vive preso na estética, no superficial de um texto. Vamos, Narciso, mergulhe de vez nessas águas! 
Pensar que o uso da palavra e o interesse do escritor é um elo incorruptível restringe e limita, por vezes, a nossa visão enquanto leitores. Mas ora, nem sempre a limitação é algo ruim - não é ela, inclusive, decorrente de um processo natural das artes em geral? Complexo. Surge, então, algo belo e almejado por tantos de nós: a universalização das palavras. O escritor deseja expandir o seu texto, esticá-lo com cordas invisíveis - tornar, em última instância, imensurável o valor que suas palavras carregam. Contudo, a tentativa de atravessar o abismo existente entre o específico e o geral é um mote nem sempre exitoso. Conquanto poderosas, nossas palavras podem falhar. E a complexibilidade humana talvez não permita, em alguns momentos, verbalizações, representações, traduções.
O deslumbramento que muitos temos em relação às palavras é justificável pois, sim, o universo literário traz ao nosso imaginário tantas novas interpretações e possibilidades de interpretações. Resistir ou render-se às novas possibilidades é opcional. O que não nos é, entretanto, tão opcional assim é a responsabilidade adquirida quando, em verdade, nos tornamos leitores. Sê atenta às entrelinhas, pequena criança. 
Ah, as entrelinhas... "Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas." diz, num misto de provocação e aceitação, Clarice Lispector. Mas, musa, e os tantos e tantos questionamentos que me inquietam? Para os questionamentos que, por fim e ao cabo, sempre permanecem e se renovam não há, possivelmente, conclusão alguma. Haverá, em algum canto, conclusão alguma? Talvez - como em "À procura da poesia" de Drummond - são as palavras que constantemente, com suas mil faces sob a face neutra, nos perguntam (sem interesse pela resposta pobre que daremos) "Trouxeste a chave?".

Cachoeirinha, madrugada de 18 de julho de 2011.