segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Além do concreto

Não consigo esquecer os olhos daquele senhor, acamado, impossibilitado de falar, o tumor avançando silenciosa e rapidamente dentro da sua boca, o inchaço, o sangue que expelia. Os olhos eram urgentes, denunciavam, pediam socorro. As mãos agitadas gesticulavam mostrando-nos como era a dor: latejante.
Eu não sabia o que fazer enquanto ouvia a sua esposa. Relato de amor, e de sofrimento. Estou aqui com ele todos os minutos, dizia. Limitei-me ao silêncio, tomar notas parecia inadequado no momento embora assim sejamos ensinamos.
Uma filha chegou. Talvez tenha a minha idade, pensei enquanto ela beijava o pai na testa. O gesto aqueceu o quarto frio e úmido e aí tomei coragem e olhei dentro dos olhos do homem inundados pela luz violenta da manhã que entrava pela janela do quarto hospitalar. Seu olho claro estava tão cheio de luz que quase era possível mirar o invisível, dentro do corpo que se pode palpar, percutir, auscultar, o invisível intocável no âmago do tocável. Eu não soube no momento mas o olhar daquele senhor me fortaleceu naquela manhã fria de agosto. Há que se resistir.