quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Pergunta mansa

Às vezes passo horas fazendo perguntas. Às vezes não quero pensar em perguntas e tampouco quero fazer perguntas, mas elas vêm. Com truculenta sensibilidade, de mansinho, atropelando o medo e a falta de coragem, elas vêm.
Sentimentos com máscara de pergunta. E daí fico ali perguntando se devo fazer perguntas. Perguntar é viver a vida ou é adiar ela?
Afinal, o que eu quero questionar com minhas perguntas?

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Apenas como processo

forcejar
v. i.
Empregar força.
Fazer diligência.
Esforçar-se; lutar.

Eu forcejava, tu forcejavas, ele forcejava, nós forcejávamos, vós forcejáveis, eles forcejavam (..)

É. É muito forcejo para um verbo.
Triste ainda é forcejar contra todas palavras. Dá desgosto: aquele conjunto de palavras unidas à força, só pelo objetivo e sem o processo. Poema sem fundo, sem cor, sem cheiro,
Forcejar as palavras de acordo com um objetivo pode ser um método. Mas o risco é se perder no método - esquecer que se trata apenas de uma tentativa e uma tentativa que carece de significado. Forcejar pode ser um modo de não se perder no universo das palavras. Mas se a procura é por uma receita, já estou destituída do processo. E aí dá desgosto. 
Não precisamos de fórceps literários.

Precisamos é de mais processos.

sábado, 15 de setembro de 2012

You say why and I say I don't know


Queria um único foco, tinha vários. Queria salgado, pediu doce. Queria sol, veio chuva. Queria desviar os olhos da janela, as gotas de chuva escorrendo eram hipnotizantes. Queria contentar-se, o vasto e pleno vazio do todo a (des)contentava. Queria tudo, tinha nada. Queria o nada, vinha o todo. Tinha sono, não queria que o dia terminasse. Queria que o amanhã chegasse, não tinha sono.
"Eu te dou pão e preferes ouro. Eu te dou ouro mas tua fome legítima é de pão." Quem escreveu isso? Não lembrava.
Mas percebeu que naquele momento não importava nenhum nome, nenhuma autoria.
Eu te dou ouro mas tua fome legítima é de pão. Era um dos tantos escritos da vida.
E de muitas vidas.
E qualquer vida poderia ter escrito.
Porque há desencontro. E a gente pode se encontrar nele.

domingo, 26 de agosto de 2012

Alguns passos são memoráveis

Um passo. Um dia. Um dia memorável, tão memorável que você percebe que ele é importante a cada passo. Em vários momentos você pensa "isso está sendo importante". Mas não é apenas aquele narrador chato dentro da sua cabeça. É um sentimento - bem mais do que um pensamento. Você saiu de casa, coração sangrando (sim) mas saiu de casa. Frio. Enfrentou o frio e enfrentou o mundo. Mais o mundo do que o frio, sejamos sinceros. Fantasmas. Você saiu e caminhou por aquelas ruas, dobrou aquelas esquinas, pisou em cada pedaço de chão que um dia doeu em cada pedaço de coração. Remissão? Auto-afirmação? Não. Mas é de uma paz tremenda.
Desabafa, pequena andarilha, fala e revive a cada fala. E, depois, de repente, se cala. Consente. Revive. E segue. Doída mas viva. Viva.

escrito na tarde do dia 13 de julho de 2012, num café numa esquina de Porto Alegre, no dia em que saí de casa para conhecer Cecília.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Sobre manhãs frias e sonhos

     Acontece. Há aquelas manhãs frias em que a pequena chama de esperança dentro de mim quase se apaga. Aquelas manhãs frias em que quando o despertador toca, e o mundo fora das cobertas parece terrivelmente ameaçador, nos minutos em que procuro - em algum lugar - um ímpeto (por menor que seja) para levantar vem à mente, o tipo de pergunta ”Por que, afinal, eu tô fazendo tudo isso?”
      Pois é, a tal busca por um sentido para tudo. Parece piegas, e é. Aliás, em muitos momentos é realmente muito piegas. Mas, confesso, entre uma soneca e outra do celular, essa busca me faz ter a força necessária para, enfim, entrar num banho, tomar um café, sair de casa. E ao sair do meu prédio, quando o coração parece seco demais perto do úmido e gélido dia riograndino, mais uma vez tenho certeza de que todos estamos saindo de casa, sendo engolfados por nossos dias, porque todos somos, mesmo que só um pouquinho, todos somos sonhadores.
     Quando vestibulanda, contemplava com olhos insaciáveis, a imensidão de possibilidades e de dificuldades até alcançar o que chamava de “meu sonho”. Hoje vejo, pois tenho aprendido, nem sempre mansamente, que os sonhos não residem meramente em realizações concretas. A aprovação no vestibular foi um símbolo - a caminhada é que foi o sonho sendo erguido e destruído e reerguido tantas vezes. Penso, são as passagens que se continuam, unidas e regidas por essas nossas vontades e ânsias e planos e tudo isso não tem sentido se não acreditamos, se não sonhamos. 
       O gosto pelas coisas secretas me faz sonhar. A minha fé me faz sonhar. E ter fé não é unir as mãos e acreditar toscamente. Oh Deus, tu bem sabes quantas vezes somos feridos quando caminhamos com fé. Porque sonhar também pode ser caminhar com fé. E caminhar implica agir, cair, sacudir a poeira, seguir. Dói. 
      As mãos endurecidas e os ombros que pensam suportar o mundo querem nos dar certezas, e os sonhos questionam cada uma destas certezas. Em tempos em que não se diz mais ‘acredite’, diz-se: ‘vai e vence acima de tudo’, é bem possível que quem sonha, como mestre Álvaro de Campos registrou, perceba: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
     Sabemos tão pouco sobre sonhos, embora não vivamos sem sonhar. Chego a pensar, às vezes, nos sonhos como entidades independentes, que nunca morrem, permanecem ali, quietinhos, na alma das pessoas, na medida em que nos basta, como se abrigássemos aquela delicada quantia de sonho que cabe em nós.
      Perceber que só saio da minha cama quentinha porque os sonhos tem esses fios invisíveis de fé e de amor que me puxam tem sido um
 contato interior belo e inexplicável. 
     E, quando os esforços parecem inúteis, o espetáculo diário grotesco, a morte mais viva do que a própria vida, volto-me, resignada e digo a mim mesma, repetidas vezes: ninguém pode sonhar por mim.

domingo, 10 de junho de 2012

Querer

Quero a delícia de não ter essa vontade de chorar toda a noite. Quero deixar de querer isso, logo. E aí estarei sorrindo.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

(Des)construção

Não tem sido fácil desconstruir. A cada dia que tenho coragem para acordar, acordar para a curiosidade dos tantos caminhos, contemplo mais e mais os caminhos da vida real. Esses caminhos que estão me mostrando a dor, o sofrimento e a frieza. A cada dia, tanta desarticulação. Mas eu entendo, entendo que não é fugindo que evitarei a desarticulação que virá, que vem. Tem sido necessário para que eu vejo tanta coisa que se fosse bonita e perfumada, eu nem teria visto, passaria sem entender. É necessário. Nessa desconstrução tem tanto choque, tanto despertar abrupto, baque forte entre mim e outros realidades. Desejo estar preparada para isso. Mas sem antecipar a descoberta, sem tomar por imutável o que outros viram antes.Sei lá. Hoje pensei que, enfim, que bom que estou desarticulando tanta coisa. Se sou capaz de sofrer intensamente na (des)construção também é possível, e ninguém tira isso de mim, articular outras coisas com imensa alegria.

domingo, 27 de maio de 2012

O mundo e palavra

Leio a palavra e através dela o mundo ou leio o mundo a através dele a palavra? Amada dinâmica louca essa a da realidade e da linguagem.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Cecília

Hoje renasci nos olhos de Cecília. Seus pezinhos saltitantes mal denunciaram sua repentina presença ao meu lado. Sentou-se, quietinha, mirando, atenta, a cada ínfimo movimento meu. Cecília tem observado mais do que falado, nos últimos dias.
Num assomo de curiosidade, perguntou:
- Tia, cê é médica, pra que ler livro assim tão grande que nem tem nenhuma figura de corpo humano?
Numa frase, Cecília, delicadamente, questionou-me tudo. 
Pousei 'Grande Sertão: Veredas' de Guimarães na mesa ao lado da poltrona, abri meus braços e Cecília já estava em meu colo. Fitei seus olhos negros e brilhantes e, com seus 7 anos, eles tinham força tamanha capaz de ofuscar meu progressivo descontentamento com o mundo. Seus cachinhos tremiam, curiosos e sua cabecinha fazia sinais afirmativos encorajando minha resposta.
Acredito que Cecília sempre soube o porque eu não leio só livros com figuras de corpo humano e de doenças. Mas Cecília quis que eu falasse. E com a voz embargada e o peso de um mundo todo em meus ombros, confirmei:
- A tia quer cuidar das pessoas. Mas antes precisa aprender a vê-las.

escrito em meio a uma crise, e em homenagem à Cecília - que está por vir.

domingo, 15 de abril de 2012

domingo, 29 de janeiro de 2012

Da arte e da vida, numa manhã de domingo.

Numa manhã de domingo qualquer, tu percebes que nunca entenderás a tênue fronteira entre a arte e a vida. Por um momento, teus olhos não mais distinguirão as coisas presentes e as intangíveis; todas elas podem, pois, ser absolutamente significantes durante a absorta leitura de um livro ou o verdadeiro ouvir de uma canção. 
Isso, se houver uma tal fronteira. Talvez ela nem exista. E talvez nem arte e tampouco vida devem ser compreendidas.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Janeiro

Janeiro todo sem postar nada no blog que não posso nem dizer que afunda porque nunca sequer apareceu sobre a superfície. Cada dia escrevendo e guardando para nunca alguém ler. Talvez.